Seo Marinho, Seo Juce e Dona Maricota são alguns dos descendentes de açorianos com mais de 80 anos que nasceram e ainda vivem em uma comunidade tradicional do interior da Ilha de Santa Catarina.
Enquanto relembram o passado, cada um ganha status de personagem. Seo Marinho, exímio artesão, é um dos últimos conhecedores do trançado de cestos (de cipó ou fio de luz - material adaptado às tendências atuais da reciclagem) de acordo com a técnica aprendida junto aos índios que habitavam a região. Seo Juce, filho de uma das principais lideranças da comunidade, como o pai, dedicou muitos anos de sua vida na articulação e estruturação do Distrito do Rio Vermelho. Foi um dos principais responsáveis pela chegada da água encanada, da luz, da estrada e proprietário do primeiro automóvel que conduzia os doentes e idosos para a cidade. Dona Maricota, querida por toda a comunidade, foi parteira do vilarejo por mais de 20 anos. Pequenina, mas sempre disposta, apresenta sabedorias de quem muito conhece sobre as práticas e tradições dos antigos açorianos.
Os idos anos de sua juventude eram tempos da fartura de alimentos, das festas religiosas, dos engenhos de farinha puxados a boi, das parteiras, da agricultura e pesca abundante, do convívio familiar e comunitário que marcavam o dia-a-dia do grupo.
A história deste povo no Brasil começa em meados do século 18, quando por determinação das autoridades de Lisboa, iniciou-se uma experiência de colonização mediante a fixação de famílias açorianas ao solo da região sul. Essa imigração em massa visava defender e povoar os atuais estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Assim, imigraram para o país, a partir de 1732, milhares de colonos ilhéus oriundos do arquipélago dos Açores.
Em Santa Catarina, o povoamento açoriano do litoral caracterizou definitivamente a região. Ao chegarem aqui, os colonos açorianos tomaram posse da terra, espalharam-se em “freguesias” e começaram a trabalhar com produtos agrícolas como o café, o algodão e a farinha de mandioca – esta aprendida através de técnicas dos índios Carijós. Antigamente, o Rio Vermelho era um grande pólo agrícola que chegou a comportar 32 engenhos em funcionamento. Os açorianos aqui instalados exportavam desde cachaça, café, caju, até as farinhas de milho e mandioca. Este povo também aprendeu a pescar e a construir canoas com os índios. Tal atividade ligada ao mar consolidou-se através dos tempos como principal suporte da economia do litoral. Assim, articulando práticas e sabedorias culturais peculiares, foram construindo suas vidas e se adaptando ao meio ambiente que encontraram.
Ao longo desses anos, a chegada da vida urbana e de novos moradores na Ilha, modificaram de vez muitas tradições dos antigos. O tempo da forte produção nos engenhos locais não irá voltar, mas tal período permanece presente nas memórias dos idosos que ainda vivem no local.
Cinthia Creatini da Rocha
Antropóloga